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O drama da menina L.,de 12 anos. CHOCOU O BRASIL! PDF Imprimir E-mail
Detalhes do drama que chocou o País

O Estado de S. Paulo
23/03/2008

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Na segunda-feira, L., de 12 anos, foi achada acorrentada pela polícia em Goiânia. A algoz era uma empresária

Valdir Sanches

Um anônimo ligou para a Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente de Goiânia, às 9h30 de segunda-feira. Disse apenas: 'Fiquei sabendo que tem uma criança acorrentada no apartamento 401 do prédio Antonio Nascimento, no Setor Marista.' Um bairro de classe média alta. Dois agentes da delegacia, um homem e uma mulher, saíram para investigar. Pouco depois das 10 horas, entravam no apartamento indicado, um dúplex de cobertura. Estavam com o porteiro, Miguel, e dois moradores que queriam ver para crer: não acreditavam na informação. A porta do apartamento, dizem os policiais, estava só encostada. Ao entrar, deram com uma empregada, Vanice Maria Novais. Ela disse que não sabia de nenhuma criança acorrentada. Os policias falaram sobre a denúncia e insistiram: 'Cadê a menina?' Vanice acabou cedendo. 'Está lá em cima.'

No andar onde estavam ficam a cozinha e uma sala de televisão. Os policias subiram a escada para o andar de cima, onde há dois quartos, sala e lavanderia. A porta da lavanderia estava trancada. Bateram, chamaram. Ninguém respondeu. Nesse momento surgiu Tiago, rapaz de 20 anos, filho dos donos da casa, que não mora lá, estava só de visita.

Vanice disse que a patroa tinha levado a chave da lavanderia. Policiais pediram ao porteiro Miguel um pé-de-cabra para arrombar a porta. A empregada se assustou. Voltou-se para Tiago, justificando-se: 'Não tem jeito, tem de abrir.' Foi buscar a chave e abriu a porta.

- Entrei e não notei nada estranho à minha frente - conta a policial Jussara Assis Carvalho - Então olhei para o lado direito e vi a menina.

L., de 12 anos, tinha os braços acorrentados à escada de ferro que sobe de uma amurada para a caixa-d'água. Os braços ficavam erguidos, os pés mal tocavam o chão. Ela calçava luvas de borracha, amarradas por um cordão - o que, acha a policia, evitaria marcas das correntes. Nos pés, tênis e meias cobertos por sacos plásticos.

O agente Jaime Jardim olhou para a boca da menina e entendeu por que ela não havia respondido quando eles bateram na porta. A boca estava tampada por esparadrapo. Dentro, um chumaço feito com pedaço de fralda velha - na casa mora também um bebê, filho de Vanice. Os dois agentes libertaram a menina. Ela disse que seus braços doíam muito. Perguntou: 'Vocês vão me levar para o meu pai?'

Pouco depois, surgiu a dona da casa: Sílvia Calabrese Lima, de 42 anos, dona de loja de cosméticos. Chegou e foi presa. Os policiais haviam conseguido falar com o marido dela, o engenheiro Marco Antonio Calabrese Lima, e ele avisara a mulher.

Vanice, que também foi presa, entregou aos policiais um caderno onde anotava os fatos do dia - por ordem de Sílvia, disse. Na segunda-feira, dia 17, quando esses fatos se passam, há duas anotações. '5h41 - chamei a L.'; '5h45 - amarrei a luva'. Como a menina foi achada às 10h30, conclui-se que seu martírio durou mais de cinco horas.

L. diria depois, na polícia, que algumas vezes era acorrentada por Sílvia, outras por Vanice - que admite o fato e diz ter agido por medo da patroa.

- A menina preferia ser acorrentada por Vanice, porque ela não punha pimenta no pano enfiado na boca - diz a delegada Adriana Accorsi, titular da Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente. 'Sílvia tinha fixação por pimenta. Passava nos olhos, boca e nariz de suas vítimas.' Já há outras quatro queixas de jovens que dizem ter sofrido nas mãos dela.

As marcas pelo corpo comprovam os fatos chocantes contados por L.. Ela tem mutilações na língua. Contou que Sílvia a apertava com alicate. Numa ocasião, ficou girando com ela com a língua presa pelo alicate. A delegada Adriana tem uma filha de 13 anos. 'Quando ela contou isso, não agüentei e chorei.'

A menina tem marcas de ferro quente em cada uma das nádegas e na coxa direita. As unhas das mãos pretas. Contou que a torturadora prendia seus dedos na porta. Os dedos dos pés estão roxos e machucados, resultado de golpes com martelos de cozinha. Um desses, contra a boca, quebrou um dos dentes da frente. L. também disse que era obrigada a tocar certa parte da máquina de lavar roupa, para levar choques.

A tortura se intensificou depois que ela fez 12 anos, em novembro. Passava dias amordaçada. 'Sílvia dizia à menina que a voz dela a incomodava', conta a delegada. Tomava banho frio, dormia no chão, na lavanderia. Na quinta-feira, L. deu entrevista, intermediada pelo juiz Maurício Porfírio, da Vara da Infância e Juventude. Disse que passava muito tempo sem comer. Ou tinha de se alimentar com ração de cachorro. E era submetida a afogamentos:

- Ela me afogava no tanque. Amarrava minhas mãos e meus pés, depois me mandava abaixar e sentava na minha cabeça.

Uma das torturas mais graves ocorreu num sábado. A menina ficou o dia todo acorrentada na lavanderia, exposta à chuva e ao sol. A delegada diz que os braços da pequena começaram a doer insuportavelmente.

- L. começou a chorar, e isso incomodou Sílvia. Então ela disse que ia ensiná-la a não incomodar mais. Pegou cinco sacos de plástico e enfiou um a um em sua cabeça. Vanice segurava as pernas. L. começou a se debater e acabou desmaiando. Elas se assustaram. Naquela noite, Sílvia deixou a menina dormir em cima de uma coberta.

No inquérito, a delegada pergunta a Vanice se segurou as pernas da menina durante a asfixia com os sacos plásticos. A empregada responde: 'Sim, porque dona Sílvia mandou.'

A delegada acha que Sílvia vinha agravando as torturas. E, nessa escalada, poderia chegar a matar sua vítima. Por que torturava? Adriana não sabe. Diz que Sílvia é uma pessoa cruel, tinha prazer e se divertia fazendo isso. Não acredita que tenha problemas mentais. Sempre tratou bem os três filhos que tem com o engenheiro Marco Antonio - só o mais novo, de 3 anos, mora na casa.

O advogado de Sílvia, Darlan Alves Ferreira, pensa diferente. Diz que pedirá perícia psiquiátrica e psicológica para sua cliente, logo depois que ela depuser na Justiça. 'Em sã consciência ela não cometeria atrocidades como essas.' Sílvia está presa num presídio de Aparecida de Goiás, cidade próxima a Goiânia. 'Ela está abalada, chora e não diz coisa com coisa.'

Vanice, a empregada, admite no inquérito ter participado das torturas. Mas diz que o fazia por ordens da patroa. Não queria ser despedida e tinha medo de que Sílvia se voltasse contra seu bebê.

O engenheiro Marco Antonio afirmou em depoimento que viaja muito e não sabia das torturas. Na entrevista intermediada pelo juiz, L. disse que 'as maldades' eram feitas quando ele não estava. Mas contou que num dia de fevereiro o engenheiro entrou em casa e a surpreendeu amordaçada, com sacos plásticos nos pés, limpando um banheiro. Ele a livrou da mordaça, e a menina falou sobre a tortura com alicate na língua e outros padecimentos. Marco Antonio dispôs-se a levar L. para a casa de uma tia e chegaram a ir para o carro. Mas Sílvia surgiu, prometeu que não faria mais nada errado e L. ficou.

Sílvia está sendo acusada de tortura e cárcere privado qualificados (por se tratar de menor) e submeter pessoa a condições análogas à de escravo. A pena para os crimes soma 32 anos de prisão.


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